Modulação multiportadora

Introdução

Problema: Seletividade em frequência do canal $\implies$ Interferência intersimbólica (ISI) $\implies$ Necessário equalização de canal.
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Ideia: Dividir o espectro disponível em $N$ subcanais, de modo que cada subcanal tenha resposta em frequência aproximadamente plana. Desse modo, a equalização em cada subcanal se torna consideravelmente simplificada.
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Modução multiportadora é amplamente utilizada em:

  • Sistemas de comunicação com fio: DSL, DOCSIS.
  • Sistemas de comunicação sem fio: WiFi, 4G/5G, TV digital.

Transmissor multiportadora

Seja $N$ um inteiro, que representa o número de subcanais. Seja $f_k$, para $k \in [0:N)$, a frequência de cada subportadora, e seja $\Delta\!f$ o espaçamento (uniforme) entre elas. Então,

\[ f_k = f_0 + k \, \Delta\!f, \]

para $k \in [0 : N)$.

Exemplo.

Determine a frequência de cada subportadora para o caso de $N = 4$ subcanais, espaçamento de $\Delta\!f = 100~\text{kHz}$ e $f_0 = 1{,}8~\text{MHz}$.

Solução.

As frequências das subportadoras são dadas pela tabela abaixo.

$f_0$ $1800~\text{kHz}$
$f_1$ $1900~\text{kHz}$
$f_2$ $2000~\text{kHz}$
$f_3$ $2100~\text{kHz}$

O diagrama de um transmissor multiportadora é dado abaixo, em que $X[k]$, para $k \in [0:N)$, são símbolos complexos a serem transmitidos, à taxa $R_\mathrm{s}$. Note que a taxa de cada subcanal é $\bar{R}_\mathrm{s} = R_\mathrm{s} / N$.

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O sinal transmitido é dado por

\[ s(t) = \sum_{k=0}^{N-1} X[k] \, g(t) \cos(2\pi f_k t), \]

em que $g(t)$ é o pulso de formatação utilizado (pulso retangular, pulso cosseno levantado, etc.).

Por simplicidade, o diagrama assumiu símbolos reais. No caso geral,

\[ \begin{aligned} s(t) & = \sum_{k=0}^{N-1} \Big[ \mathrm{Re}\{X[k]\} \, g(t) \cos(2\pi f_k t) - \mathrm{Im}\{X[k]\} \, g(t) \sin(2\pi f_k t) \Big] \\ & = \sum_{k=0}^{N-1} \mathrm{Re} \Big\{ X[k] \, g(t) \, \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi f_k t} \Big\}. \end{aligned} \]

Subcanais sem sobreposição espectral

O esquema mais simples e ingênuo (mas não utilizado na prática) considera subcanais sem sobreposição espectral.
Exemplo.

Considere $N = 4$ subcanais, modulação QPSK, taxa de bits de $R_\mathrm{b} = 800~\text{kbit/s}$ e formatação de pulso com cosseno levantado com fator de roll-off de $\alpha = 0{,}5$. Determine a largura de banda do sinal transmitido considerando subcanais sem sobreposição espectral.

Solução.
  • Taxa de símbolos do sistema: $R_\mathrm{s} = R_\mathrm{b} / \log_2 M = 400~\text{kbaud}$.
  • Taxa de símbolos de cada subcanal: $\bar{R}_\mathrm{s} = R_\mathrm{s} / N = 100~\text{kbaud}$.
  • Largura de banda de cada subcanal: $\bar{B} = (1 + \alpha) \bar{R}_\mathrm{s} = 150~\text{kHz}$.
  • Espaçamento entre as subportadores: $\Delta \! f = \bar{B} = 150~\text{kHz}$ (para evitar sobreposição espectral).
  • Largura de banda total: $B = N \bar{B} = 600~\text{kHz}$.
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Teorema. Subcanais sem sobreposição espectral.

A largura de banda ocupada é dada por

B = (1 + \alpha) R_\mathrm{s},

ou seja, a mesma largura de banda do caso de portadora simples.

Demonstração.
\[ B = N \bar{B} = N (1 + \alpha) \bar{R_\mathrm{s}} = N (1 + \alpha) \frac{R_\mathrm{s}}{N} = (1 + \alpha) R_\mathrm{s}. \]
O receptor multiportadora no caso sem sobreposição espectral pode ser implementado como abaixo.
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Subcanais com sobreposição espectral

É possível melhorar a eficiência espectral utilizando subcanais que se sobrepõem na frequência. Porém, para que o receptor consiga separar cada subcanal, é necessário que as subportadoras sejam ortogonais: \[ \int_{-\infty}^{\infty} g(t) \cos(2\pi f_i t + \theta_i) \ g(t) \cos(2\pi f_j t + \theta_j) \mathrm{d}t ~ = ~ \begin{cases} 1 & \text{se } i = j, \\ 0 & \text{se } i \neq j. \end{cases} \]
Teorema.

O espaçamento $\Delta \! f$ entre as subportadoras para que haja ortogonalidade deve ser um múltiplo inteiro de $\bar{R_\mathrm{s}}$. Em particular, o espaçamento mínimo é $\Delta \! f = \bar{R_\mathrm{s}}$.

Demonstração.
Ver Goldsmith, p. 378 ou Haykin, 4Ed, ex. 6.41.
Observações.
Na prática, a ortogonalidade é aproximada. Isso é garantido contanto que $f_0 \gg \bar{R}_\mathrm{s}$ e que $f_0 \gg B_g$, em que $B_g$ é a largura de banda do pulso de formatação $g(t)$.
Exemplo.

Considere novamente $N = 4$ subcanais, modulação QPSK, taxa de bits de $R_\mathrm{b} = 800 \text{kbit/s}$ e formatação de pulso com cosseno levantado com fator de roll-off de $\alpha = 0{,}5$. Determine a largura de banda do sinal transmitido considerando subcanais com sobreposição espectral.

Solução.
  • Taxa de símbolos do sistema: $R_\mathrm{s} = R_\mathrm{b} / \log_2 M = 400~\text{kbaud}$.
  • Taxa de símbolos de cada subcanal: $\bar{R}_\mathrm{s} = R_\mathrm{s} / N = 100~\text{kbaud}$.
  • Largura de banda de cada subcanal: $\bar{B} = (1 + \alpha) \bar{R}_\mathrm{s} = 150~\text{kHz}$.
  • Espaçamento entre as subportadores: $\Delta \! f = \bar{R}_\mathrm{s} = 100~\text{kHz}$ (garantindo ortogonalidade).
  • Largura de banda total: $B = (N-1) \Delta \! f + \bar{B} = 450~\text{kHz}$.
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Teorema. Subcanais com sobreposição espectral.
A largura de banda ocupada é dada por B = \left( 1 + \frac{\alpha}{N} \right) R_\mathrm{s}.

Para $N$ suficientemente grande, $B$ é aproximadamente igual a $R_\mathrm{s}$, ou seja, o limite de Nyquist é atingido.

Demonstração.
\[ B = (N-1) \Delta \! f + \bar{B} = (N-1) \bar{R}_\mathrm{s} + (1 + \alpha) \bar{R}_\mathrm{s} = (N + \alpha) \bar{R}_\mathrm{s} = (N + \alpha) \frac{R_\mathrm{s}}{N} = \left( 1 + \frac{\alpha}{N} \right) R_\mathrm{s}. \]
O receptor multiportadora no caso com sobreposição espectral pode ser implementado como abaixo.
multicarrier-rx-2-pb.svg
Por exemplo, a saída do amostrador 0, supondo $r(t) = s(t)$ é \[ \begin{aligned} \int_{-\infty}^{\infty} r(t) \, g(t) \cos(2\pi f_0 t) \, \mathrm{d}t & = \int_{-\infty}^{\infty} \left[ \sum_{k=0}^{N-1} X[k] \, g(t) \cos(2\pi f_k t + \phi_k) \right] g(t) \cos(2\pi f_0 t) \, \mathrm{d}t \\ & = \sum_{k=0}^{N-1} X[k] \int_{-\infty}^{\infty} g(t) \cos(2\pi f_k t + \phi_k) \ g(t) \cos(2\pi f_0 t) \, \mathrm{d}t \\ & = \sum_{k=0}^{N-1} X[k] \, \delta[k] \\ & = X[0]. \end{aligned} \]

Implementação no domínio digital

A implementação de um sistema multiportadora inteiramente no domínio analógico requer o uso de $N$ osciladores. Para contornar esse problema, pode-se implementar parte do sistema no domínio digital.

Para tanto, primeiro obtém-se a representação em banda base do sinal transmitido. Assumindo espaçamento entre as subportadoras de $\Delta \! f = \bar{R}_\mathrm{s}$, tem-se

\[ \begin{aligned} s(t) & = \frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} \mathrm{Re} \Big\{ X[k] g(t) \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi f_k t} \Big\} \\ & = \mathrm{Re} \Bigg\{\frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} X[k] g(t) \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi f_k t} \Bigg\} \\ & = \mathrm{Re} \Bigg\{\frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} X[k] g(t) \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi (f_0 + k\bar{R}_\mathrm{s}) t} \Bigg\} \\ & = \mathrm{Re} \Bigg\{ \left(\frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} X[k] g(t) \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi k\bar{R}_\mathrm{s} t} \right) \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi f_0 t} \Bigg\}. \end{aligned} \]

Portanto,

\[ x(t) \triangleq \frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} X[k] g(t) \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi k\bar{R}_\mathrm{s} t} \]

é a representação em banda base de $s(t)$, com relação à frequência $f_0$.

baseband-representation.svg

Amostrando o sinal à taxa $R_\mathrm{s} = 1 / T_\mathrm{s}$, obtém-se

\[ \begin{aligned} x[n] & = x(n T_\mathrm{s}) \\ & = \frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} X[k] \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi k\bar{R}_\mathrm{s} n T_\mathrm{s}} \\ & = \frac{1}{N} \sum_{k=0}^{N-1} X[k] \mathrm{e}^{\,\mathrm{j}2\pi k n / N} \\ & = \mathrm{DFT}^{-1} \big\{ X[k] \big\}. \end{aligned} \]

Portanto, $x[n]$, ou seja, o sinal transmitido em banda base e em tempo discreto, é a transformada discreta de Fourier inversa (IDFT) da sequência de símbolos $X[k]$.

Orthonal Frequency Division Multiplexing

O diagrama de blocos a seguir mostra um sistema OFDM (orthonal frequency-division multiplexing), que é um sistema multiportadora com implementação no domínio digital.

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Prefixo cíclico

O prefixo cíclico consiste em replicar as $\mu$ últimas amostras de $x[n]$ no início de cada bloco ODFM. Naturalmente, deve-se ter $\mu \leq N$.

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Prefixo cíclico: exemplo para $N = 8$ e $\mu = 3$.

O prefixo cíclico transforma uma convolução convencional em uma convolução circular.

Lembrando que o modelo em tempo discreto do canal com seletividade em frequência é

\[ y[n] = h[n] \star x[n] = \sum_{i=0}^{L_h-1} h[i] x[n-i] \]

(convolução convencional), em que $L_h$ é o comprimento do canal, em amostras.

No entanto, a convolução convencional não se transforma no produto das DFTs.

// Exemplo Octave

Teorema.
\[ \mathrm{DFT} \Big\{ h[n] ~ ⍟ ~ x[n] \Big\} = \mathrm{DFT} \Big\{ h[n] \Big\} \mathrm{DFT} \Big\{ x[n] \Big\} = H[k] X[k], \]

onde

\[ h[n] ~ ⍟ ~ x[n] = \sum_{i=0}^{L_h-1} h[i] x[n-i]_N \]

é a convolução circular e $x[n-i]_N$ é a versão periódica de $x[n-i]$.

No caso do prefixo cíclico do OFDM, para que a convolução convencional seja transformada na convolução circular, é necessário que $\mu > L_h$.

O prefixo cíclico acarreta em um overhead de $\mu / N$, diminuindo a eficiência espectral do sistema.

Exemplo.

Considere um sistema multiportadora com taxa de símbolos de $R_\mathrm{s} = 1~\text{Mbaud}$. Assuma que o canal tem resposta ao impulso com duração de no máximo $5~\mu\text{s}$.

  1. Determine o mínimo valor para o comprimento $\mu$ do prefixo cíclico.
  2. Usando um prefixo cíclico de comprimento $\mu = 8$, determine o mínimo valor para o número de subportadoras $N$ de modo que se tenha um overhead de no máximo $10\%$.
Solução.
  1. O intervalo de símbolo é dado por $T_\mathrm{s} = 1 / R_\mathrm{s} = 1~\mu\text{s}$, de modo que o comprimento do canal é de no máximo $L_h = 5~\text{símbolos}$. Portanto, o mínimo valor para o comprimento do prefixo cíclico é $\mu = 6$.
  2. Temos que $\text{overhead} = \mu / N$. Assim, $N = \mu / \text{overhead} = 8 / 0{,}1 = 80$. Como $N$ é tipicamente uma potência de 2 (para facilitar a implementação da DFT), o valor mínimo para o número de subportadoras é $N = 128$.

Como consequência, a relação entre a entrada $X[k]$ e a saída $Y[k]$ se simplifica para $Y[k] = H[k] X[k] + W[k]$, onde $H[k]$ é o ganho do $k$-ésimo subcanal e $W[k]$ é ruído. A figura abaixo mostra o modelo equivalente de cada subcanal.

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Portanto, a equalização pode ser feita no domínio da frequência, apenas invertendo o ganho do subcanal, ou seja, o sinal equalizado $\tilde{X}[k]$ pode ser calculado como

\[ \tilde{X}[k] = \frac{ Y[k]}{H[k]}, \] para $k \in [0 : N)$.

Desafios práticos

Modulação multiportadora têm os seguintes desafios:

  • Alta PAPR (peak-to-average power ratio). O sinal modulado multiportadora apresenta alta PAPR, o que é indesejado pois exige amplificadores de potência mais lineares (os quais costumam ser menos eficientes em termos de potência).

  • ICI (intercarrier interference). Foi visto que para garantir a ortogonalidade entre as subportadoras, é necessário que a separação entre elas seja de $\Delta \! f = \bar{R}_\mathrm{s} = R_\mathrm{s} / N$. Na prática, isso pode não ocorrer devido a descasamento de frequência dos osciladores, efeito Doppler, erros de sincronização, etc.

Estudo de caso: IEEE 802.11a/g

Os padrões IEEE 802.11a e 802.11g utilizam OFDM.

Bibliografia

  1. Andrea Goldsmith: Wireless Communications, Cambridge University Press, 2005.